Grupos radicias criam uma agenda de combate a esses problemas e defendem a manutenção das tradições nacionais para conquistar aliados
A ascensão da direita em várias partes do mundo se torna mais notável a cada dia. Na Turquia, Recep Tayyip Erdogan, foi reeleito no final de maio para mais cinco anos de mandato, o que, encaminha o país para um endurecimento do regime. Na Itália, Giorgia Meloni, admiradora de Benito Mussolini, tornou-se a primeira mulher a ser premiê do país e, ao assumir a posição, passou a comandar o governo mais à direita do país desde a fundação da República, em 1946. Na vizinha França, apesar da vitória de Emmanuel Macron para a presidência, Marine Le Pen, opositora de extrema-direita, conseguiu bons números e mostrou um país dividido. Para tentar conter a ascensão da direita na Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sánchez dissolveu o Parlamento e antecipou as eleições legislativas de dezembro para julho. Para além da Europa, esse cenário também se repete em outras partes do mundo, como nos Estados Unidos. Donald Trump aparece como favorito para concorrer a presidência pelo Partido Republicano. Seu principal concorrente é Ron DeSantis, que também tem ideias e políticas extremistas. Na Argentina, vizinha do Brasil — e que atualmente vive uma intensa crise econômica —, o mesmo cenário se faz presente. Para as eleições de outubro deste ano, Javier Milei, um candidato da direita conservadora, tem ganhado notoriedade. Ele é admirador de Jair Bolsonaro e Donald Trump.
Valdir da Silva Bezerra, mestre em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo, afirma que existem explicações para esse fenômeno. “Quando a gente olha para história, são questões econômicas. Sempre depois de grandes crises financeiras, como a gente percebeu, por exemplo, no começo do século XX e também no começo do século XXI, depois da crise financeira de 2008, as dificuldades econômicas que vêm como consequência dessas crises acabam criando um contexto social de bastante aprofundamento da extrema-direita”, destaca o especialista, acrescentando que os políticos utilizam dessas frustrações para ganhar vantagem. “Algumas dificuldades que os governos, sejam sociais, democratas na Europa, ou governos de esquerda na América Latina, de lidar com problemas econômicos, fortalece uma certa força para esses partidos de extrema-direita de se colocarem contra justamente essas forças políticas que não conseguem resolver os problemas sociais na visão deles, dessas forças políticas que são mais receptivas a ideias progressistas, das quais a extrema-direita não adota e também não enxerga como sendo bem-vindo”.
José Niemeyer, coordenador da graduação em relações internacionais do Ibmec, do Rio de Janeiro, relembra que após a grave crise financeira de 2008, “houve o surgimento do que chamamos de grupos terroristas, violência política, radicalismo, e vimos a miséria aumentando”. Ele também toca em um problema recente, a pandemia de Covid-19, que abalou a economia mundial. “Ficamos presos em casa, limitados na nossa ação humana, tudo isso causa um questionamento do indivíduo com relação a ele próprio e com relação à existência”, fala Niemeyer, para quem momentos como esse deixam o terreno fértil para radicalismos (à direita ou à esquerda). O professor também comenta que crises econômicas, má distribuição de recursos no próprio sistema internacional, a modernidade, novos hábitos e maneiras de interpretar os valores, pode fazer com que “grupos radicias de extrema-direita comecem a criar uma agenda de combate a essas mudanças”. Niemeyer ainda faz uma análise a longo prazo e fala que governos extremistas são graves, sejam eles de esquerda ou de direita. “Extrema-esquerda trabalha muito nessa perspectiva radical na economia, já a extrema-direita trabalha muito com tipos de pessoas, raça, credos e religião”.
Para além dos problemas da crise financeira, Bezerra toca em outro pronto importante que também dá margem para o crescimento da extrema-direita: a imigração. Com a guerra na Ucrânia, conflito no Sudão e outros atritos em curso, o mundo viu a questão dos refugiados ser um grande problema. “A imigração, quando ela acontece, por exemplo, em larga medida, geralmente causa bastante estresse para aquelas sociedades hospedeiras. Na Europa, onde esses movimentos de extrema-direita são mais evidentes, justamente depois do contexto da Primavera Árabe, de 2011, onde milhões de refugiados do Norte da África e do Oriente Médio acabaram adentrando no continente, criou um certo senso de ameaça para parte das populações daqueles países que enxergavam a sua identidade ameaçada por esses imigrantes”, fala o mestre em relações internacionais. Esse contexto fortalece aqueles que são mais extremistas por causa dessa questão de salvaguardar uma espécie de identidade pura, tradicional e nacional. O efeito da globalização também contribui, visto que na Europa, segundo Bezerra, existe uma ideia de que ela faz parte de um plano para homogenizar as sociedades para torná-las todas iguais do ponto de vista cultural.
Por essa razão, “sempre batem muito na tecla das tradições nacionais, mas que se contrapõe justamente a essa situação, a esse tipo de percepção da realidade”, explica o especialista, que também apota as redes sociais pela disseminação da extrema-direita no mundo já que elas acabam aglutinando pessoas de uma forma mais rápida e eficiente. Bezerra não chega a classificar que estamos entrando em um mundo mais conservador, para ele, o que tem acontecido é que temos evidenciado pessoas e políticos que tem feito do discurso conservador uma aglutinação dos seus eleitores, principalmente nos dias de hoje, que, por conta das tecnologias da informação. Ele concluiu falando que o mundo está mais conservador do que no passado, porém, ressalta que “a capacidade de aglutinar pessoas em torno de um discurso conservador, sim”.