O álbum merveilles, obra-prima do Malice Mizer, lançado em março de 1998, completou 25 anos em 2023. Uma efeméride como essa é uma excelente oportunidade para revisitar essa verdadeira pérola da música japonesa, que mescla estilos tão variados que é quase impossível de ser rotulada.
Surgido no cenário musical do Japão em 1992, o Malice Mizer foi formado por dois dissidentes da banda Matenrou: o enigmático Mana, o guitarrista e mente criativa por trás de quase tudo que o grupo produziu, e Közi, também guitarrista. Logo depois se juntaram a eles o vocalista Tetsu, o baixista Yu~ki e o baterista Gaz. Em 1994, gravaram seu primeiro EP, Memoire, de forma independente. Com sonoridade que variava do gótico ao progressivo, passando também pelo synthpop, essa formação durou pouco: logo o baterista Gaz deixou a banda e Kami entrou em seu lugar. Mas é a saída do vocalista Tetsu, no final de 1994, que muda de vez a carreira do Malice Mizer.
Mana arranjou um novo vocalista que seria sua aposta para a nova fase da banda. Assumindo o microfone, o futuro astro Gackt Camui gravou os vocais no segundo álbum do grupo, Voyage ~Sans Retour~. Abdicando da sonoridade gótica do primeiro trabalho, Mana resolveu trazer sofisticadas camadas sonoras ao Malice Mizer. Elementos da música barroca, estética vitoriana e lirismo nas composições marcaram o caminho da banda até seu próximo objetivo: um álbum lançado pela gravadora Nippon Columbia.
Os passos dados nos trabalhos anteriores mostraram o amadurecimento da banda, tanto na sua imagem como marketing e, principalmente, na sonoridade. Assim, no ápice da carreira, a banda lançou merveilles, um dos álbuns mais importantes da música japonesa contemporânea.
Já na primeira faixa, De Merveilles, temos uma síntese do que esperar nos próximos quase 48 minutos do álbum. As portas de uma tragédia sacra se abrem na segunda faixa, Syunikiss, com seu brutal riff atrelado às belíssimas cordas de cellos e violinos, gravadas por músicos do calibre de Chieko Kinbara, Toshihiro Nakanishi e Masashi Abe. O clima etéreo e dilacerante dessa sinfonia continua na faixa seguinte e segundo maior hit do álbum, Bel Air, um dos grandes momentos vocais de Gackt em sua passagem pelo Malice Mizer.
Elementos eletrônicos também estão presentes. A faixa seguinte, Illuminati, traz para o álbum um conteúdo altamente erótico, como se fosse uma orgia maçônica com teor profano direto dos porões de Sade (o Marquês ou a cantora – fica a seu critério).
A França, referência óbvia desde o nome do álbum, aqui se faz presente também no maior hit do disco, Au Revoir, outro ponto alto com um afiado trabalho de cordas dos arranjadores, assim como em Je Te Veux e a deslumbrante Le Ciel, com um solo tão lindo quanto triste, um dos momentos mais sublimes que o Malice Mizer já proporcionou aos nossos sentidos.
Até mesmo músicas menos badaladas, como Brise, Aegean e S-Conscious, que forram a parte intermediária do álbum, brilham com variações sonoras tão únicas e díspares, que passeiam de neo-bossanova a música de realejo, aliadas à sujeira do rock industrial mais áspero e cinzento, sem perder a sua beleza e impacto.
O álbum se encaminha para o fim com a ode ao luar de Gekka no Yasōkyoku, como se a banda fosse uma alcateia onírica uivando para a lua em busca de algum sentido para a solidão, ao som de synths totalmente hipnóticos.
O fim, com Bois de merveilles, uma espécie de fado misturado com electrotango, é a canção de despedida do álbum, e também o canto do cisne (negro) de Gackt, já que no começo do ano seguinte o vocalista deixou a banda e se lançou em uma muito bem sucedida carreira solo.
merveilles rendeu o belíssimo espetáculo merveilles l’espace, gravado em vídeo no dia 22 de julho de 1998, em Yokohama, e lançado em diversos formatos. Pensado como uma opereta que consegue misturar anjos, demônios, reis, criaturas, sadomasoquismo e luxúria no mesmo pacote, o espetáculo visual é a síntese do Malice Mizer em seu auge. Infelizmente, foi também o ponto final dessa brilhante fase.
Em 1999, o baterista Kami morreu tragicamente, meses após Gackt deixar a banda. Mana e os outros dois membros que restaram, Yu~ki e Közi, gravaram no ano seguinte o tristíssimo e emblemático EP Shinwa, para homenagear o falecido amigo e colocar um ponto final na fase clássica do grupo, antes de entrar de vez nas trevas com o trabalho seguinte, Bara no Seidou, já com o novo baterista, Shu, e o vampiresco Klaha nos vocais.
Mais do que um marco para os fãs do Malice Mizer, merveilles condensou de forma soberba a música de mais alta qualidade feita no Japão nos anos 1990, colocando a banda merecidamente no panteão das maiores da história da música oriental do século XX.
Comemore as bodas de prata dessa obra, ouvindo agora mesmo. Garanto que quem vai ganhar o presente é você.
Ficha técnica:
merveilles – Malice Mizer
Lançamento: 18 de março de 1998 (Japão)
Gravadora: Nippon Columbia
Produção: Malice Mizer
Vocais e piano: Gackt
Guitarra e sintetizadores: Közi e Mana
Baixo: Yu~ki
Bateria: Kami
Cello: Masashi Abe
Violinos: Chieko Kinbara, Toshihiro Nakanishi
Tracklist:
1. De Merveilles
2. Syunikiss〜二度目の哀悼〜
3. Bel Air ~空白の瞬間ときの中~
4. Illuminati
5. Brise
6. Aegean 〜過ぎ去りし風と共に〜
7. Au Revoir
8. Je te Veux
9. S-Conscious
10. Le Ciel
11. Gekka no Yasōkyoku (月下の夜想曲)
12. Bois de Merveilles
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