Atualmente, a legislação não oferece licença-maternidade nesses contratos de trabalho, mas STF decidiu a favor do benefício, citando garantias constitucionais; situação agrava desigualdade de gênero e prejudica contratação de mulheres
A segurança jurídica é um pilar essencial em qualquer sociedade democrática, proporcionando um ambiente previsível e estável para os cidadãos e as instituições. No entanto, o cenário torna-se mais complexo do que deveria ser quando decisões judiciais transcendem o estabelecido pela legislação, como no caso recente em que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a extensão da licença-maternidade e estabilidade para gestantes contratadas pela administração pública por prazo determinado. A decisão proferida no início de outubro deste ano pelo STF no Recurso Extraordinário (RE) 842844 trouxe à tona uma importante discussão sobre os direitos das gestantes no ambiente de trabalho e a segurança jurídica das relações contratuais. O caso envolveu uma professora contratada pelo Estado de Santa Catarina por prazo determinado, cujo direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória foi reconhecido pelo Tribunal. O entendimento do STF estabeleceu que a proteção constitucional à gestante e à criança deve prevalecer independentemente da natureza do vínculo empregatício, contrapondo a ausência de garantias específicas para gestantes em contratos por prazo determinado. A decisão proferida deve valer para casos parecidos em tribunais inferiores tendo em vista que o processo foi julgado sob a sistemática da repercussão geral.
Importante relembrar que os contratos por prazo determinado são previstos em lei como sendo instrumentos para formalizar demandas transitórias especiais de trabalho e não dão direitos de licença-maternidade ou estabilidade à gestante. A atuação do Poder Judiciário, mesmo quando respaldada pela proteção constitucional, não deve ser vista como uma usurpação das atribuições do Poder Legislativo, o qual tem o dever de criar leis que garantam os direitos dos trabalhadores em diferentes modalidades de contratação. O contexto atual do mercado de trabalho mostra a presença significativa de mulheres na informalidade, muitas vezes sujeitas à discriminação e preconceito por parte de empregadores, em parte devido ao afastamento no período de licença-maternidade.
As estatísticas de demissões após o período de licença-maternidade são estarrecedoras, bem como é notória a dificuldade de contratação de mulheres que exponham abertamente seu interesse e planejamento em engravidar. São situações que agravam a desigualdade de gênero no ambiente profissional, prejudicam a contratação de mulheres em idade fértil, que coincide com a idade de grande produtividade laboral. Embora a aplicação imediata seja apenas nos casos de contratação pelo Poder Público, a decisão do Supremo Tribunal Federal por ser interpretada como um marco na busca pela equidade de direitos e de gênero no mercado de trabalho.
A proteção à maternidade não pode ser vista como um obstáculo ao crescimento profissional das mulheres, ao contrário, é essencial reconhecer que a maternidade não diminui a competência ou o comprometimento das mulheres com suas carreiras. No entanto, é importante reconhecer que o desafio vai além dessa decisão. É fundamental que a legislação evolua para abranger todos os trabalhadores e empregadores, conforme suas peculiaridades. E é importante que as regras sejam claras o suficiente e cumpridas de acordo com o previsto, para que os contratantes possam se planejar adequadamente, sem o risco de terem o contrato alterado por força de decisão judicial.
A proteção das gestantes no mercado de trabalho não é apenas uma questão legal, mas uma manifestação de valores sociais que reconhecem e valorizam a contribuição das mulheres em todos os aspectos da vida profissional e pessoal. A contratação por tempo determinado é uma boa opção para a formalização de relações de trabalho que fazem jus aos direitos trabalhistas, e, nesse contexto, é um instrumento importante para trazer para a formalidade inúmeras pessoas que estejam trabalhando de forma precária e informal. Contudo, é preciso que suas regras sejam respeitadas, para que não haja surpresas aos contratantes. Considerando a lacuna na legislação que não assegura explicitamente direitos como licença-maternidade e estabilidade para gestantes em contratos por prazo determinado, seria pertinente uma revisão legislativa para fornecer clareza e segurança jurídica tanto para os empregadores como para as empregadas. Em suma, enquanto a decisão do STF busca proteger direitos fundamentais das gestantes, é necessário um diálogo entre os poderes para estabelecer leis que ofereçam a segurança jurídica necessária a todas as partes envolvidas, preservando os direitos constitucionais e promovendo a igualdade no mercado de trabalho.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.