Nem tudo é política, acredite


Você não precisa se envolver em tudo que o noticiário te entrega, principalmente quando não tem nada a oferecer de concreto e efetivo em defesa de seus valores; seu tweet não fará quase nenhuma diferença social

wayhomestudio/FreepikHomem irritado grita com raiva e mantém a palma levantada olhando para smartphone
O desabafo político nas redes sociais tem pouca efetividade e, provavelmente, só vai te tornar uma pessoa mais descontrolada com terceiros

Uma das formas de fazer um conservador sucumbir, sem dúvidas, é fazê-lo acreditar na máxima materialista e positivista de que tudo é política. Socialmente falando, o conservador vive de suas tarefas e deveres diários, motivações individuais e familiares, nutrido essencialmente por um arcabouço solidificado de moralidades e crenças que lhes dão norte e segurança. O historiador conservador Cristopher Dawson, por exemplo, afirma em seus escritos histórico-antropológicos que a sociedade nasce, literalmente, do “culto religioso”, pois lá os indivíduos se reúnem, sacralizam funções, direitos e deveres, atos e princípios, isto é, o início mesmo de uma coesão mental e normativa na comunidade. Tais sacralizações, segundo o historiador, possibilitam a interação moral e empreendedora entre os homens, aquilo que Adam Smith tinha chamado de “avanço social”.

É tudo questão de ordenamento. Para os conservadores, a ordem familiar e os deveres individuais e comunitários precedem a política e sua prática consciente, sendo a ordem estabelecida nos lares a recaírem na polis, e não a estrutura política da polis a nutrir os lares. Para alguns, essa relação seria dialética, mas, para o “homem comum”, não é. A chave para compreender isso está na postura de Edmund Burke que, em Reflexões sobre a Revolução na França, afirmou que a postura sensata era adotar, na Constituição e nas práticas de Estado, uma extensão daqueles atos e posturas que teríamos em nossos lares, igrejas e instituições comunitárias, não por mero reflexo de atos, mas por ressonância de valores. Essa é a chave mental que guiou, e ainda guia, muitos dos conservadores que admirávamos ou ainda admiramos. 

Roger Scruton, para assinalar um exemplo efetivo, participou de redes políticas clandestinas nos países satélites da União Soviética a fim de ensinar aos jovens sedentos de um arejamento intelectual uma filosofia política diversa, conservadora, que escapasse dos dedos engordurados de Stalin e de seus sucessores. Todavia, suas colunas nos grandes jornais e revistas, nos EUA e no Reino Unido, analisavam muito mais a cultura inglesa, a história e as artes ‒ por vezes, temperado com um ar de crônica do século XIX, por vezes, como um professor descontraído a falar sobre Kant e Espinosa aos seus alunos ‒ do que sobre políticas. Não que ele não falasse de política partidária e não tomasse um lado para escudar como a sua posição, mas não o fazia como militante, e sim como um homem que tem algo a defender e bons argumentos a oferecer a quem quiser ouvi-lo. Scruton era um conservador raiz nesse sentido, falava relativamente pouco de política, mas, quando o fazia, deixava sua marca indelével nela.

Você não necessariamente precisa se envolver em tudo que o noticiário te entrega, principalmente quando não tem nada a oferecer de concreto e efetivo em defesa de seus valores; acredite, seu tweet e seu compartilhamento no story não irão fazer quase nenhuma diferença social para além de aumentar seu grau de ansiedade e te tornar uma pessoa mais descontrolada com terceiros. Isso não significa que se engajar na defesa de valores e princípios não seja um ato conservador, significa antes que se envolver em ativismo sem se dar conta do ordenamento natural das estruturas da realidade vai te fazer uma espécie de materialista conservador, um metamorfo entre o marxista e o burkeano.

Ainda acredito que a maior revolução que um conservador pode fazer ‒ se é que podemos falar de revolução e conservador numa mesma frase ‒ é viver plenamente seus valores, educar bem seus filhos e ser um cidadão exemplar; e, quando chegar o momento de ser oposição política, de ser ativista em defesa de valores, que o faça de forma organizada, inteligente e incisiva. Não se trata de ser idílico, trata-se de ser coerente, e a coerência deve ser a bala de prata do conservadorismo; do papa ao traficante, todos sentem-se seguros ante as palavras, propostas e atos de uma possa coerente; se é fato que o progressismo não se importa mais sequer com a coerência genética, o conservador deve ser oposição até mesmo nisso.

Por fim, um conservador que se dedica diuturnamente à política militante se tornou um cego tal como quaisquer outros militantes esquerdistas, perdendo assim os seus dois maiores trunfos ante aos ideólogos: seu afastamento natural e moral da batalha político-ideológica e seus princípios norteadores que tornam a política apenas uma faceta da realidade, e não toda a realidade. A partir do momento que um conservador não vai a um churrasco de família, pois seu tio petista estará lá, não assiste a um filme porque um dos atores declarou voto em Biden, não consegue deixar de olhar seu Twitter ou Instagram durante um passeio no shopping com seu filho, não consegue sentar no sofá sem falar de políticos e política, vê em cada situação rotineira uma espécie de traição de sua causa, esse tal “conservador” nada mais é que um petista invertido, ou melhor, um conservador invertebrado.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.





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