Órgão do Ministério da Saúde sugere tratar autistas severos com eletrochoque


Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas gerou revolta da população, que elaborou um abaixo-assinado de 9 mil assinaturas contra as diretrizes

Unsplash/Caleb WoodsBraço do Ministério da Saúde quer implantar o eletrochoque em autistas
Um documento elaborado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), que é vinculada ao Ministério da Saúde, sugere o uso de eletrochoque para tratamento de casos graves de autismo. O próprio texto do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) reconhece que não há recomendação para o uso dessa alternativa em nenhuma das diretrizes clínicas internacionais consultadas e que as evidências de sucesso são muito incipientes, mas atribui a uma “equipe especializada” a opção pela técnica. A brecha aberta pelo órgão movimenta a comunidade no Brasil, que já reuniu mais de 9 mil assinaturas em menos de 48 horas contra a aprovação do protocolo, atualmente em consulta pública. Conhecido hoje como eletroconvulsoterapia (ECT), o tratamento consiste na estimulação cerebral a partir de uma corrente elétrica que resulta em uma crise convulsiva com o objetivo de causar alterações no comportamento e atenuar sintomas psiquiátricos. A técnica foi desestimulada no Brasil durante a reforma psiquiátrica que culminou na Lei Antimanicomial de 2001, mas é indicada hoje para alguns casos como depressão severa com alto risco de suicídio, por exemplo, e catatonia.

“Mas não para autistas. Isso revela, além de tudo, uma completa falta de conhecimento do que as pessoas diagnosticadas no Transtorno do Espectro Autista (TEA) realmente precisam”, ressalta a psicanalista e pesquisadora na área da infância Ilana Katz. Ela explica que o tratamento do autismo segue uma linha de cuidado construída desde 2012 baseada em uma rede psicossocial com pluralidade de abordagens. O documento elaborado pela Conitec atualiza o protocolo recomendado para TEA na rede pública. A ECT e a estimulação magnética transcraniana (EMT) – outro tipo de eletrochoque – são citadas no capítulo 7 como “outras opções de tratamento” quando intervenções farmacológicas e comportamentais não surtem efeito. O texto chega a mencionar que casos graves de autismo, no qual se percebe um comportamento autoagressivo, podem ser sinal de catatonia, síndrome neuropsiquiátrica que gera perda de movimentos voluntários e pode ser tratada com eletrochoques com sucesso.

“Eles deram uma espécie de ‘salto duplo carpado’ para tentar justificar essa possibilidade que nunca deveria constar num documento oficial. Não discordo que haja indicações precisas e técnicas para a ECT e EMT, mas autismo certamente não é o caso”, diz o psiquiatra da infância e adolescência Ricardo Lugon Arantes. Ele ainda ressalta que casos graves nem cabem em protocolos. Diretor do serviço de eletroconvulsoterapia do Hospital das Clínicas de São Paulo, que atende 30 pessoas por dia, o psiquiatra José Gallucci Neto afirma que a ECT não é indicada para autismo no Brasil nem em qualquer outro país. “Não há estudos de qualidade e em quantidade que possam criar um consenso a esse respeito. O que temos são pesquisadores que acreditam haver uma correlação entre autismo severo, com histórico de automutilação, e catatonia, que é muito responsiva ao ECT, mas não temos conhecimento consolidado que prove isso.”

Segundo Gallucci Neto, o procedimento hoje é feito de forma segura e proporciona uma resposta significativa tanto para pessoas em depressão severa como catatônicas. “O que se observa na depressão é que pessoas que estavam profundamente deprimidas, que tentaram suicídio por diversas vezes, voltam ao trabalho, à vida normal com o tratamento.” No caso da depressão, são recomendadas até 12 sessões.





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