Quase 19 milhões de mulheres foram vítimas de algum tipo de violência no Brasil em 2022


Número é equivalente a um estádio de futebol com capacidade para 50 mil pessoas por dia; ano registrou aumento de todos os tipos de agressão contra a mulher

Banco de imagens/Pixabayestupro violencia contra a mulher
Dependências financeira e emocional são fatores que fazem as mulheres permanecerem próximas de seus agressores em alguns casos

Em 2022, 18,6 milhões de mulheres foram vítimas de algum tipo de violência no Brasil. O número é equivalente a um estádio de futebol com capacidade para 50 mil pessoas por dia. Pelo menos 10 vezes o tamanho do estádio Conde Rodolfo Crespi, do clube Juventus, em São Paulo. Por minuto, 14 mulheres foram agredidas no mesmo ano. Dentre elas, 45% ficou em silêncio. Os dados são de uma pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Dentre as vítimas, cada uma delas foi agredida, em média, quatro vezes em 2022. Já entre as mulheres divorciadas, a média subiu para nove agressões. De acordo com a delegada Raquel Gallinati, diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, muitos fatores explicam porque, em alguns casos, as vítimas não buscam ajuda. Os principais envolvem dependência financeira e emocional. “A codependência financeira do agressor, claro, é um fator, um obstáculo, para que aquela mulher possa tomar providência e romper aquele relacionamento, mas não é o que prepondera, mas a codependência emocional e psicológica por aquele agressor. A mulher está emocionalmente vulnerável e refém. Ela nutre um sentimento de amor, de admiração por aquele que é o próprio algoz”, comenta a delegada. Ainda segundo a delegada, os agressores costumam apresentar o mesmo padrão de comportamento: “Quando a mulher é vítima e está nesse relacionamento criminoso, violento, doentio. Ela iniciou esse relacionamento como se fosse um conto de fadas. Todo relacionamento criminoso, abusivo, ele se inicia como um conto de fadas. Afinal, esse agressor não vai conquistar essa mulher já esbofetando ela ou agredindo verbalmente e moralmente. Ela é conquistada por aquele que se coloca como um príncipe encantado. E, aí, gradativamente, essas violências surgem.

Em relação a casos de violência sexual, o Brasil atingiu o maior índice da série histórica em 2022, com 46,7% das mulheres tendo sido vítimas desse crime. Dentre elas, 33,4% das mulheres com mais de 16 anos sofreram violência sexual de parceiros íntimos ou ex-companheiros em algum momento da vida. A taxa é muito superior à média global, de 27%, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Os crimes sexuais são reflexos primeiro da situação de crueldade, de psicopatia, do agressor. Ele trata a mulher como se fosse um objeto, objeto de satisfação sexual próprio. Ele não a trata mais como um ser humano que tem emoções, sentimentos. Quando ele agride aquela mulher de forma sexual, de n crimes sexuais que existem, chegando aos mais drásticos, que é o crime de estupro, aquele homem não trata aquela mulher como ser humano”, diz a delegada. Em casos de violência, a vítima pode solicitar ao delegado de polícia ou ao promotor de justiça uma medida protetiva contra o agressor. O boletim de ocorrência pode ser registrado pela internet. Caso a medida seja descumprida, a polícia ou a guarda municipal devem ser acionadas imediatamente.

Para a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, três fatores explicam o aumento de todas as formas de violência contra a mulher em 2022: “Uma é a falta de investimento do governo federal no último ano, que tem essa obrigação de manter políticas públicas para tentar, de alguma forma, evitar esse tipo de criminalidade. O Brasil faz parte de pactos internacionais e, além de violência doméstica, ela impõe não só o combate a esse tipo de criminalidade, mas, principalmente, investimento para que se evite esse tipo de criminalidade; outra situação foi o fim do estado pandêmico, já que esse estudo coloca que, pelo menos, mais quase 50% das mulheres são vítimas de violência dentro de seus próprios lares, e os agressores são pessoas com quem ela convive; e um terceiro ponto, eu acho que as vítimas aprenderam a denunciar, a movimentar o sistema de Justiça, levando a ele os fatos envolvendo violência”. Segundo ela, além do investimento em políticas públicas para que o ciclo de violência seja quebrado, é preciso que a mulher recebe apoios emocional, psicológico e financeiro: “A mulher ter a coragem, primeiro, de sair da casa dela com os filhos, procurar uma fundação, uma casa acolhedora e, dentro dessa casa, ela receber uma estrutura emocional e psicológica e aprender a lidar com o dinheiro, que parte do patrimônio, se ela for casada em comunhão de bens, é dela, e, se não for dela, é dos filhos”.

“Ele só não me matou naquele dia porque ele não me achou mesmo, porque eu me escondi. Se ele tivesse me achado, ele teria me matado. Hoje, faz 4 anos e dois meses que a gente está separado. No começo, ele falava que se eu largasse ele, ele não iria deixar eu levar as crianças. Por isso que eu fui ficando. Falava que ia me matar. Mesmo eu estando separada dele, ele me vinha, me cobrava, falava que eu tinha que dar satisfação para ele. Sempre me ameaçou de morte. Eu não tenho mais vida. Nesses 4 anos que me livrei dele, eu não tenho vida”, conta uma mulher vítima de violência que não tem a identidade revelada por segurança. Uma câmera de segurança registrou o momento em que o ex-marido dela buscou por ela pela última vez. Nas imagens, ele passa de moto duas vezes pela frente da residência dela. Na segunda, ele faz disparos para o alto com uma arma de fogo. Emerson Adonis Imazaki Otero, de 41 anos, nunca aceitou o fim do relacionamento com a mulher com quem foi casado e teve dois filhos. “A primeira protetiva que eu pedi foi porque eu fui levar a minha filha na creche, e eu não tinha mais nada para falar com ele. Foi me cercando, batendo no meu carro com a moto dele. Me puxava para fora do carro. Nesse dia, meu pai estava comigo. Ele só parou porque fui parar dentro de um posto policial, perto da escola, tremendo, ele só parou por causa disso”, relata a mulher sobre uma das ocorrências e ameaças sofridas. “Ele sacou a arma, mirou no peito do meu pai e falou que se ele quisesse ele me mataria agora”, continua. Poucas horas depois de ter ido atrás da vítima, Emerson foi encontrado e preso. A polícia também localizou a arma localizada por ele. Apesar disso, a mulher teme que ele seja solto e decida se vingar. “Ele só não me matou ainda porque ele não me achou, mas na hora que der certo, ele vai me matar”, finaliza.

*Com informações da repórter Letícia Miyamoto 





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