*Com informações dos repórteres André Malinoski e Sidney Jesus
A segurança Doralina Peres encerrou os depoimentos deste domingo no Tribunal do Júri do caso da boate Kiss. Ela, que trabalhava como funcionária de uma empresa de segurança que prestava serviço ao local, foi levada ao julgamento como vítima apresentada pela defesa de Elissandro Spohr. Sem dar detalhes sobre a noite em que ocorreu o incêndio, lembrou que perdeu cinco colegas de trabalho, duas mulheres e três homens.
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“Não lembro de muita coisa, só me lembro de muitos gritos, queria voltar para o fundo achando que era briga, começaram a me empurrar e eu desmaiei”, afirmou. Doralina trabalhou na casa noturna por dois anos e oito meses. Na noite do incêndio, a ex-segurança disse que o estabelecimento estava cheio. “Não cheguei a ver o que estava acontecendo no palco. Desmaiei e um colega meu me tirou de lá, me colocaram no estacionamento do Carrefour”, recordou. “Na ambulância eu desmaiei pela segunda vez e não acordei mais.”
Doralina contou que ficou quase 30 dias internada no hospital. “Tive problemas pulmonares e precisei fazer enxertos na perna”, afirmou ao juiz. A vítima trabalhava fazendo a revista dos frequentadores e declarou que recebia as orientações de um chefe, e não diretamente de Elissandro Spohr. “Nem a empresa nem a boate deram um curso. Não sabia manusear extintores. Recebi orientações dos colegas que tinham experiência com curso.”
Durante o depoimento, a vítima disse que, inicialmente, não gostaria de dar seu testemunho por receio de sofrer represálias, mas depois aceitou fazê-lo. Ela afirmou que havia luz de emergência na entrada e no banheiro. Entretanto, disse que não sabia a quantidade de extintores no local.
Doralina disse ter visto os réus Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha quando chegavam à casa. Disse também que já havia ouvido falar em Mauro Hoffmann, mas que “não teve contato” com ele. Em relação a Elissandro Spohr, a ex-segurança afirmou que ele era o sócio que passava as informações a seu chefe. “Sempre foi muito educado. Ele pedia que as pessoas mantivessem a paz, a calma até onde desse”, afirmou.
Antes dela, falou Delvani Rosso, também vítima da tragédia. Desde o início, Rosso estava com dificuldades de verbalizar o que testemunhou. Em algumas oportunidades, precisou silenciar o depoimento e também chorou. “Eu lembro que, apesar da lotação, estava tudo correndo normal. Lembro que vi um menino pulando na copa e gritando que tinha fogo. Não dei muita bola, pensei que fosse briga. Estávamos em sete amigos, e entrelaçamos os braços. Fomos caminhando para sair. Perto do aquário as pessoas estavam muito agitadas. Quando vi, era cada um por si. Quando ficou escuro, vi que a fumaça ficou muito forte. Percebi que eu não conseguiria sair. Comecei a inalar a fumaça e meus joelhos ficaram fracos e perdi a força”, relatou, muito emocionado.
Também lembrou que o irmão saiu da casa noturna chutando a porta, porque os seguranças não queriam deixar as pessoas saírem por acharem que ocorria uma briga. O juiz Orlando Faccini Neto pediu para o sobrevivente levantar a camisa e exibir as queimaduras das costas e dos braços para os jurados. O clima ficou pesado na plateia. “Quando comecei a cair, me despedi de minha família e pedi desculpas pelo que pude ter feito de errado”, revelou. Neste momento, muitos familiares na plateia começaram a chorar.
Primeiro depoente do dia, Tiago Mutti afirmou que o Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) estava em dia nos anos em que teve contato com a Boate Kiss. O depoente foi rebaixado de testemunha à condição de informante por responder a dois processos – de fraude e falsidade ideológica, mas explicou que ao menos um deles já está encerrado. Informante significa que a pessoa não precisa jurar dizer a verdade no júri.