Não é por coincidência, acaso do destino ou vontade divina que os grandes surtos mundiais de doenças altamente letais estejam ocorrendo em intervalos de tempo cada vez menores
Fui convidada a falar sobre os rumos que tomarão as cidades após o período da pandemia. A palestra se deu em ambiente acadêmico. Refleti e estudei muito para deixar o público mais à vontade e com alguma esperança para um futuro próximo. Não consegui. O motivo? Nem eu mesma acredito que, a curto prazo, o envolvimento das pessoas em questões que afetam toda a humanidade sejam de interesse das… próprias pessoas! Em especial, aquelas que respondem por empresas e governos. Por que sinto isso? Assisto aos principais noticiários no Brasil e no mundo, leio e estudo sobre as questões que envolvem as cidades no grupo de pesquisas do qual faço parte, ouço os podcasts de colegas universitários e, apesar de todas as informações disponíveis sobre as consequências advindas da crise climática — uma delas é a Covid-19 e suas variantes —, percebo nas falas e ações dos líderes globais e das empresas certa procrastinação diante da urgência das ações. Governos e empresas devem colocar as pessoas, sua saúde e bem-estar no centro de suas atenções e ações. Empresas e governos são criados e geridos por pessoas e para pessoas. Somos maus cidadãos? Não. Sou eco-ansiosa? Talvez. Não é possível preservar a saúde mental com as políticas e atitudes eco-malignas que vêm assolando nosso Brasil desde a posse de Bolsonaro. Mas deste assunto tratarei em âmbito privado na próxima sessão de terapia, com o objetivo de reorganizar as ideias e resistir até 2023. Não há mal que dure para sempre.
Parte da responsabilidade sobre o mal-estar que sinto também se deve ao excesso de informações sobre as consequências eco-nefastas que permeiam minhas redes sociais. O fato é que os algoritmos destas redes e demais plataformas de busca “empesteiam”, com sua inteligência artificial obsessiva, a timeline de pesquisa. Resumindo, aprenderam a isolar seus usuários — eu, no caso, em bolhas temáticas que facilitam a busca dos leitores. Os algoritmos “escolhem”, por assim dizer, o que devo ler. Odeio isso. Meu mundo é bem maior do que me apresenta um algoritmo. O fato é que “crise climática”, “ecossistema ameaçados”, “destruição de florestas e relação com pandemias” são temática praticamente invisíveis aos olhos das pessoas comuns, que, como eu, estão distantes dos processos ecológicos. Mais da metade do planeta mora em cidades. No Brasil, chegamos a quase 85% da população vivendo em ambientes urbanos. Somos dependentes produtos e serviços de empresas e governos. De onde vem o que comemos, o que vestimos ou o que bebemos? Conhecemos todos os processos envolvidos na sua produção? Eu até busco saber a origem e o processo de produção de alguns produtos. Bloqueio da minha vida empresas que não atendem as minhas expectativas. Quem tem tempo ou sabe rastrear as informações de tudo que está a nossa volta? Eu não.
As grandes corporações e governos não estão fazendo a lição de casa com a urgência necessária para reverter as previsões ruins que cientistas e pesquisadores, como eu, vêm há décadas demonstrando por meio de fatos. Cerca de 70% a 80% das doenças infecciosas emergentes e quase todas as pandemias recentes são originárias de animais, a maioria na vida selvagem. O desmatamento e queimadas que estão ocorrendo nos ecossistemas brasileiros causam mudanças profundas nas estações climáticas, afetando o período e o padrão de chuvas e das temperaturas, além de expor os seres humanos a um número imenso de potenciais hospedeiros como protozoários, bactérias, vírus e fungos presentes em animais, morcegos e insetos que compõem a biodiversidade dos ecossistemas abalados pelos seres humanos. Tráfico de animais e os assentamentos e estradas abertos para o exercício de atividades nem sempre legalmente autorizadas de garimpo e extração de madeira são responsáveis pelo contato entre as pessoas e seus transmissores. Para morar em cidades, é preciso toda uma cadeia de produção para fazer aquilo que não conseguimos nas cidades: produzir nossa comida, trazer a água que tomamos, coletar e tratar o esgoto de nossas casas, gerar energia e distribui-la em nossas casas.
Governos e Estados devem buscar as medidas de mitigação e adaptação, bem como investir na transição para uma economia de baixa emissão de carbono, buscando reverter os processos que estão alterando o clima e já ameaçam a saúde pública com pandemias como a síndrome respiratória aguda grave (SARS, em 2002), a H1N1 (gripe suína em 2009), o ebola (2014), o zika vírus, com todas as suas variantes (em 2013 e 2016), e o atual coronavírus, que chegou à quarta onda recentemente. Os dados mostram que as pandemias que vêm causando mortes e perdas materiais em todo o mundo estão acontecendo em intervalos de tempo cada vez menores. Coincidência? Acaso do destino? Vontade divina? Certamente não. A continuar a rapidez na mutação do vírus, derivada do estrago causado pela procrastinação de governos mundiais na vacinação de sua população, em breve faltarão letras do alfabeto grego para nominar todas as variações. A inépcia e a falta de vontade política de todos os ternos escuros brilhantes que participam das discussões e decisões em governos, empresas, conferências e painéis intergovenamentais estão falhando vergonhosamente em nos proteger.
Mudar hábitos e comportamentos é uma decisão difícil a ser tomada, mas seus resultados são imediatos: ao assistir às imagens da COP26 como líderes “blablando” em discursos nos plenários e nas entrevistas, eu me senti representada pelas falas de jovens ativistas como Greta Thunberg (cuja expressão me apropriei) e Txai Suruí, única brasileira a discursar e nos representar de forma brilhante na abertura da Cúpula do Clima. Bolsonaro estava ocupado comendo uma a fatia de pizza gelada com seus amigos numa esquina em Nova York. Ao cobrar a participação de grupos indígenas nas discussões e decisões durante a conferência, ela expôs a falta de representatividade e a distância em que vários grupos se encontram das questões que compõem a agenda urbana internacional e que interferem em nosso cotidiano de vida. Se não nos fazemos representar como cidadãos nos assuntos que afetam nossa saúde, recomendo que associações de classe, sindicatos, clubes e demais instituições que agregam a sociedade civil por grupos de interesse comuniquem de forma clara e objetiva aos seus membros, com a linguagem e exemplos adequados, as consequências que o atraso na adoção de políticas públicas e ações em empresas para a redução das emissões dos gases de efeito estufa, os desmatamentos e a destruição dos ecossistemas podem causar na qualidade de vida de todos.
De minha parte, alterei alguns hábitos e comportamentos arraigados à rotina. São parte daquelas coisas que a gente faz todos os dias sem pensar muito o porquê. Só faz mecanicamente. Durante o longo período de distanciamento social, adquiri o hábito salutar de plantar. O quê? De tudo um pouco. Comecei timidamente, com vasinhos de orquídeas e, aos poucos, fui me aventurando: horta com os principais temperos sempre à mão na janela da cozinha, orquídeas, samambaias e folhagens diversas no janelão da sala e até nos banheiros. O hobby virou uma obsessão responsável por mais de 50 vasos que incluem 15 mudas de árvores frutíferas, produtivas o ano inteiro, e que encontram-se espalhadas por todas as janelas do meu lar. Outro dia, meu companheiro, ironicamente, me perguntou se eu pretendia comercializar créditos de carbono no mercado nacional. Sua impaciência com meu lado eco-calmante ocorreu depois que a pequena Jiboia, com suas meigas folhinhas, animou-se com os cuidados recebidos e, grata, espalhou-se por todo o teto da cozinha, centrando sua atuação sobre a mesinha onde ele faz as refeições.
O fato é que levei a sério a provocação e baixei um app para diagnosticar minha “pegada de carbono”. O aplicativo me ajudou e muito! Aprendi não apenas a calcular as emissões de carbono nas ações e no consumo do dia a dia. Graças à ironia, comprei uma composteira doméstica e um apiário para abrigar as abelhinhas que se alimentam das flores do pomar e da horta. Esta foi a forma que encontrei para reduzir as emissões de carbono e colaborar com a saúde das pessoas e do planeta ainda hoje, sem procrastinação, para o bem dos meus filhos, dos filhos dos meus filhos e para todos aqueles que vierem depois deles, mesmo que eu não esteja mais por aqui habitando o planeta. Da próxima vez, sugiro que meu companheiro pense antes de ironizar meu lado eco-friendly.
Você mudaria seu estilo de vida para melhorar as condições climáticas do planeta e evitar as próximas pandemias?
Saiba mais na coluna de @helenadegreas.https://t.co/0pbeXFkF9x
— Jovem Pan News (@JovemPanNews) December 7, 2021
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.